Resistência – “Jeitinho Brasileiro”

Desde a invasão dos portugueses em 1500, os brancos tentam impor seu modo de ver o mundo aos indígenas que já viviam nestas terras. Esse incessante massacre ocorreu durante séculos, tentando reduzir o modo de vida indígena a partir do preconceito e da construção de um conhecimento sobre os indígenas sem a participação destes. Padre Antônio Vieira um dos mais conhecidos jesuítas, que passaram pela Terra Brasilis, teve um importante papel na construção dos estereótipos acerca dos indígenas. Vieira compara as populações nativas de Brasil e África com os quais tinha tido contato, para compor e explicar sua visão sobre as populações por ele consideradas “menos evoluídas”. Para ele, as populações da África seriam como um mármore: muito duro e difícil de moldar, exigindo um grande esforço para imprimir a imagem desejada. Entretanto, a pedra uma vez esculpida permanece com a mesma forma. Já os indígenas seriam como uma planta. Fáceis de moldar, afinal basta cortá-la para que assuma rapidamente a forma desejada, mas basta também deixa-la viver sem podá-la por um curto período que ela terá crescido e tomado novamente sua forma “selvagem”. Através dessa metáfora, Vieira elabora todo um conjunto de ideias para afirmar que os Tupinambá tinham dois “vícios”: a falsidade e a preguiça.

Após 500 anos da invasão das terras indígenas, encontramos os mesmos preconceitos contra os índios plantados na formação do Brasil. É curioso reparar que, atualmente, o tão falado “jeitinho brasileiro” comporta, justamente, os dois “vícios” que Vieira enxergava nos Tupinambá. Uma  negativação do nosso jeito de enfrentar as dificuldades encontradas nas situações cotidianas em que tentam nos subordinar. A recusa ao trabalho imposto verticalmente e a maneira de resistência através de um silêncio rebelde pode ser, na verdade, uma forma extremamente potente e taticamente interessante de se contrapor à subordinação. Ao invés de se opor frontalmente a uma ordem ou poder, o “jeitinho brasileiro” usa de uma aceitação com malícia, ou seja, uma astúcia com que enganamos e não nos deixamos enganar.

Quando o índio fica quieto, escutando o que vem de fora, o branco acha que ele está concordando com tudo. Mas, na verdade ele está matutando para saber se aquilo serve pra ele: ele só vai usar se realmente lhe servir. O tempo todo o Tupinambá escuta em silêncio, mas só incorpora o que é útil. Seu silêncio é confundido com consentimento, mas é resistência. Da mesma maneira, o índio é chamado de preguiçoso, por se negar a um trabalho que foi imposto. Antes dos portugueses chegarem a Olivença os combinados dos mutirões funcionavam muito bem. Quando alguém precisava construir uma casa nova chamava os parentes.

O “jeitinho brasileiro” também se relaciona com a forma dos indígenas de fazerem acordos, que não se dão através de um contrato fechado. Na verdade, os pactos assumidos estão sempre em aberto a novas negociações. O índio não se nega a trabalhar por preguiça, mas por considerar que aquele trabalho não lhe serve, simplesmente concorda com os termos do acordo que lhe parecem injustos, mas não os segue, uma negação das ordens e inversão do comando. Diferentemente da organização política do Estado moderno, não há, na forma de organização social Tupinambá, uma separação do corpo por órgãos onde cada um desempenha uma função específica e a cabeça/mente comanda e articula todos os outros órgãos. Dessa maneira, se reproduz uma resistência à formação de um cargo de poder absoluto: por meio dos acordos abertos, o poder está sempre presente na base.

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